Até que a morte…
De vez em quando o diabo me aparece e tenho longas conversas com ele.
Outro dia percebi que era ele quando notei que trazia na sua mão direita o martelo e, na esquerda, a bigorna.
A coisa que estava sobre a bigorna ma parecia feita de louça, um bibelô delicado e frágil, e lamentei que o diabo fosse esmigalhá-la.
– Que é isso que você vai bater? Acho que vai se partir em mil pedaços…
– Não tenho outra alternativa – ele me respondeu – é parte de uma aposta que fiz com Deus. Este bibelô delicado é o casamento. E você pode estar certo: não resistirá ao ferro do meu martelo!
Como meu silêncio indicasse minha disposição em ouvi-lo, ele continuou a falar:
– Se ponho o casamento na bigorna é justamente para provar que a receita do Criador não funciona. A minha é muito mais eficaz. O que digo pode parecer estranho, mas você me dará razão se ouvir a minha história. Quando Deus disse que não era bom que o homem estivesse só, e melhor seria que ele tivesse uma mulher, eu concordei. Quando Deus disse que esta união deveria ser sem fim, até a morte, eu aplaudi. Mas aí apareceu o pomo da discórdia. Para colar o homem na mulher, Deus foi buscar uma bisnaguinha de amor. Protestei. Argumentei:
– Senhor! Amor é coisa muito fraca, de duração efêmera! Quem é colado com amor logo se separa!
Amor é um pássaro pousado no dedo.
Quem tem um pássaro pousado no dedo sabe que , a qualquer momento, ele pode voar.
Como construir uma união com cola tão fraquinha?
Qualquer tolo sabe que o pássaro só fica se estiver na gaiola.
O amor é cola fraca para produzir um casamento duradouro porque no amor vive o maior inimigo da estabilidade: a liberdade.
É preciso que o pássaro aprenda que é inútil bater as asas.
Um casamento duradouro é aquele que o homem e a mulher perderam as ilusões do amor.
Ciúme é a consciência dolorosa de que o objeto amado não é posse: ele pode voar a qualquer momento.
Por isso o amor é doloroso e cheio de incertezas.
Perplexo, lhe perguntei então:
– Qual foi então sua proposta? Que cola deveria ser usada?
Ele sorriu, confiante, e respondeu:
– O ódio. Enganam-se aqueles que dizem que o ódio separa. A verdade é que o ódio junta as pessoas. O ódio é como um vulcão. Não se apaga nunca. Por fora pode parecer adormecido. Mas no fundo as chamas crepitam. A diferença entre os dois? O amor, por causa da liberdade, abre mão e deixa o outro ir. No amor existe a permanente possibilidade da separação. No ódio não. O ódio segura. Não tenha dúvidas. Os casamentos mais sólidos são baseados no ódio. E sabe porque o ódio não deixa ir? Porque ele não suporta a fantasia do outro voando livre, feliz. O ódio constrói gaiolas, e ali ficam os dois, moendo-se mutuamente numa máquina de moer carne, que gira sem parar, cada um se nutrindo da infelicidade que pode causar no outro. As pessoas ficam juntas para se torturarem.
Autor: Rubem Alves